Comentários à decisão liminar da 20ª Vara Federal do Rio Grande do Sul na ação civil pública autuada sob o n. 5039999-67.2017.4.04.7100/RS.
Dr. Éverton Raphael Motta Reduit, OAB/RS 97.934.
Advogado do Accorsi Trindade Advocacia
Nos autos da Ação Civil Pública – n. 5039999-67.2017.4.04.7100/RS –, o ilustre Juiz da 20ª Vara Federal do Rio Grande do Sul, em decisão liminar, decidiu que os benefícios dos segurados que aguardam perícia agendada não podem ser suspensos até a realização dessa. Isto é, se o segurado foi convocado para ser submetido a perícia, ligou para a central telefônica do INSS – 135 –, para agendar perícia, não pode ser cancelado ou suspenso o benefício antes da realização da perícia agendada; portanto, não pode o segurado ser prejudicado pela dificuldade da autarquia federal em agendar as perícias médicas e por não tê-la agendado em data próxima.
Ademais, considera-se que se a perícia sequer foi agendada por falta de data, mas houve o contato com o INSS pelo segurado com tal finalidade, não pode, de qualquer sorte, o benefício ser cancelado ou cessado, devendo, apenas, o segurado anotar os protocolos das ligações para comprovar a tentativa de aprazamento da perícia.
O art. 59 da Lei n. 8.213/91 estabelece que o auxílio-doença será concedido quando o segurado for incapacitado para o seu trabalho ou para atividade habitual por mais de quinze dias. Isto é, se o segurado não poder trabalhar por mais de quinze dias, será devido o benefício de auxílio-doença.
O prazo do auxílio-doença deverá ser fixado, administrativamente, pelo INSS ou pelo Judiciário – quando houver demanda judicial pleiteando concessão ou restabelecimento do auxílio-doença e que foi procedente ou na qual houve decisão judicial deferindo pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Se não houver a fixação do prazo, será considerado o prazo de concessão de 120 (cento e vinte) dias, forte no art. 60, § 9º, da Lei n. 8.213/91, sendo cessado o benefício após esse prazo, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS. Por conseguinte, para o benefício ser mantido, é preciso realizar o segurado nova perícia, de modo a verificar se a incapacidade se mantém e, se sim, será prorrogado o benefício.
Porém, o INSS não apresenta, de regra, datas para perícias, precisando-se, não raro, telefonar-se inúmeras vezes para a linha telefônica de n. 135, com a finalidade de conseguir agendar perícia e, quando essa é marcada, é para data longínqua da data que o benefício cessaria. Destarte, se a perícia não foi realizada dentro do prazo de cento e vinte dias ou em período próximo, por culpa da própria autarquia federal, indevida a cessação do benefício, pois o segurado não pode ser prejudicado por causa da (des)organização administrativa do INSS. Nessa linha, adequada a decisão do i. Julgador da 20ª Vara Federal.
O auxílio-doença por ter natureza provisória – cabível o benefício quando a incapacidade laboral é temporária ou, se permanente, não é total (não é para todas atividades profissionais e é cabível reabilitação profissional) –, e nos casos de aposentadoria por invalidez (quando a incapacidade laboral é permanente, total e definitiva para exercício de qualquer atividade profissional e é insuscetível o segurado de reabilitação profissional), em razão do estabelecido no art. 47 da Lei n. 8.213/91, há possibilidade de submissão a perícia administrativa, razão pela qual a convocação para realização de perícia não é ilegal, estando correto, também, o assinalado pelo i. o Juiz:
[…] cabe reconhecer que a reavaliação periódica da manutenção da incapacidade para o trabalho dos beneficiários de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez decorre da própria natureza dessas prestações, que visam proteger riscos sociais sujeitos à variação ao longo do tempo, podendo ocorrer, por exemplo, a plena recuperação da saúde do segurado ou a sua reabilitação para trabalho distinto do habitual e que não seja prejudicado pela doença. Tanto é assim que o dever do segurado em gozo de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença submeter-se a exame médico a cargo da previdência social consta na LBPS desde a sua redação original (art. 101).
A intimação dos beneficiários por edital é uma providência corriqueira, quando não encontrados pessoalmente no curso de processos administrativos ou judiciais, não havendo nisso nenhum vício. Já o prazo de cinco dias para entrarem em contato com a central de teleatendimento (número 135) é realmente curto, mas suficiente para essa providência, desde que a central comporte o afluxo de telefonemas.
Sem embargo, não pode o INSS cancelar ou suspender o pagamento do benefício previdenciário, se aguarda a realização de perícia. Se essa não foi realizada em período razoável, por culpa da autarquia, não pode haver a suspensão antes da sua realização, assim decidindo o Juiz:
Desse breve apanhado fica claro que a matéria é bastante conhecida e a atual convocação dos segurados pelo INSS acabou por incidir nos mesmos vícios já detectados nas ações anteriores, isso porque estão sendo cessados os pagamentos de benefícios por incapacidade sem que seja franqueada aos titulares a submissão à perícia médica em prazo razoável […].
Nessa hipótese, o tempo do procedimento não deve recair no beneficiário, mas sim na própria Administração, que não está suficientemente aparelhada para cumprir a missão.
Assim, na esteira da jurisprudência do E. TRF da 4ª Região, não é lícita a suspensão dos benefícios sem o oferecimento ao titular da oportunidade de realizar a perícia médica.
Isso não significa, contudo, que todos os benefícios devem continuar sendo pagos indefinidamente, afinal o segurado pode ter efetivamente se omitido em procurar a autarquia para agendar a perícia, não existindo, assim, falha alguma imputável à Administração.
Por ora, antes da oitiva da autarquia, é seguro determinar o restabelecimento de todos os benefícios que tiveram perícia agendada, mas, mesmo assim, foram suspensos os pagamentos mensais.
A decisão proferida pelo Julgador da 20ª Vara Federal pode ser objeto de recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porém, considerando a legislação pátria e a própria jurisprudência do próprio TRF4, a tendência é de manutenção da decisão. Outrossim, foi oportunizado ao INSS se manifestar no prazo de 72 (setenta e duas) horas, sobre a decisão liminar; logo, além da possibilidade de recurso, pode o Juiz modificar o conteúdo da decisão após a autarquia se pronunciar nos autos, porém, igualmente, no que tange à impossibilidade de cessar os benefícios sem ser oportunizada a realização de perícia por culpa da autarquia, acredita-se que não haverá alteração. Não pode o segurado ser prejudicado por culpa do INSS, se aquele contatou essa para agendar a perícia e essa não foi realizada em prazo razoável.
A decisão tem efeito, por ora, em todo território nacional por decisão do Juiz. Todavia, os efeitos da decisão podem ser objeto de recurso também, limitando-se seus efeitos ao âmbito de jurisdição do TRF4 – Rio Grande do Sul, Santa Catarina ou Paraná –, ou do Juízo da 20ª Vara Federal (no âmbito do Rio Grande do Sul). O tema suscita controvérsia jurisprudencial, haja vista que o art. 16º da Lei n. 7.347/1985 estabelece que os efeitos da sentença em ação civil pública têm como limite a competência territorial do órgão julgador. Nessa senda, a decisão liminar ou a sentença, se considerada a interpretação literal da lei, deverá observar a competência territorial da 20ª Vara Federal (dever-se-á limitar ao Rio Grande do Sul) ou, no máximo, a competência territorial do Tribunal Regional da 4ª Região (região sul).
Mas, é importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em representativo de controvérsia – RESP 1.243.887/PR –, vedou a limitação a priori à competência territorial do órgão prolator da decisão em sede de ação civil pública, com base em uma interpretação sistemática das regras processuais civis. O STJ sedimentou entendimento que, quando se trata de ação coletiva, descabe a limitação dos efeitos da decisão à competência territorial do órgão prolator. Assim, acredita-se que será mantida a decisão do Julgador da 20ª Vara Federal quanto aos seus efeitos, isto é, que será mantida a sua eficácia em todo território nacional, considerando que a jurisprudência do e. TRF da 4ª Região segue a jurisprudência do STJ no mote – vide, por exemplo, decisões nos recursos de apelação autuados sob o n. 5080249-50.2014.404.7100 e 5033168-13.2011.404.7100 – e que o Novo Código de Processo Civil visa trazer maior segurança jurídica, concedendo maior força aos precedentes judiciais.
Em suma, considerando a decisão judicial, é preciso o segurado contatar o INSS pela sua central telefônica – n. 135 – e solicitar o agendamento da perícia. No entanto, até a perícia ser realizada, não poderá o INSS cessar o pagamento do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. De outra banda, é relevante que o segurado anote os dias e horários que contatou o INSS e o número dos protocolos, pois, não é incomum, não haver data de perícia e ser solicitado que o segurado retorno a ligação após 5 (cinco) ou 10 (dez) dias, reproduzindo-se essa solicitação inúmeras vezes. Igualmente, considera-se que se a perícia não for agendada por falta de datas do INSS para sua realização, não pode ser cessado o benefício, seguindo o mesmo raciocínio jurídico da decisão, devendo o segurado apenas demonstrar que não se omitiu em contatar a autarquia – apresentando, como referido, o protocolo das ligações realizadas.
Por fim, a tendência, considerando ordenamento jurídico e a jurisprudência do e. TRF da 4ª Região, é de manutenção da decisão e dos seus efeitos em todo território nacional. Porém, refere-se que ainda a decisão é passível de modificação, já que pode o INSS se manifestar quanto ao pedido liminar e, também, recorrer.